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Tá Na Mesa

 
 
 
 
 
 
Cozinha Caipira. Almeida Jr., 1895


Prefácio
O texto refere-se a uma região específica – o estado de São Paulo, mais propriamente o seu interior. E como toda referência tradicional, sofre modificações, indicando a sua sempre dinâmica interação com outras culturas que dela se acheguem. Isto nos mostra uma cultura viva. No entanto chamo a atenção neste artigo à culinária caipira paulista.

E ela se apresenta sob fortes raízes identitárias. Aquela feita no fogão a lenha, como nos tempos idos e que ainda é intensamente praticada e saboreada interior afora, fazendo parte da nossa dieta diária com seus aromas e sabores tão familiares.

 

Culinária Caipira 

Cuzcuz, feijão, quibebe. Farofa, bolinho de chuva, goiabada. Virado, bolinho caipira, pamonha.
Se estas iguarias fazem parte da sua dieta, considere-se um privilegiado. A culinária caipira, uma das mais ricas e diversificadas do mundo exerce ainda forte influência no paladar do paulista.


Sua gênese está no encontro das culturas portuguesa e indígena sendo tão antiga quanto a história nacional, porém suas influências na formação do Brasil ainda são pouco conhecidas. Muito se fala na cozinha baiana, gaúcha, pantaneira, amazonense, porém da caipira há poucas referências, muito embora São Paulo tenha sido seu berço, tendo se espalhado por boa parte do território brasileiro através da itinerância bandeirante.


É também um grande equívoco eleger este ou aquele prato como representante da culinária brasileira, como por muito tempo ocorreu com a feijoada, por exemplo. A grande extensão territorial, diferenças climáticas, solo e vegetação entre as regiões, torna impossível estabelecer parâmetro comum quando o assunto é cozinha tradicional.


Quando os europeus aqui chegaram se depararam com uma dieta completamente diferente da de suas metrópoles de origem. Aqui tatus, quatis, peixes eram preparados de forma muito rudimentar (que fique claro que o termo é para indicar a simplicidade da cocção). Sem temperos. Quando muito, adicionado a uma mistura preparada com pimenta e sal. Eram assados (ou moqueados) com pele e vísceras, o pêlo queimado pelo fogo e os miúdos, órgãos internos, depois retirados e repartidos. O sal e a pimenta eram sempre colocados após o preparo e comido junto com o alimento, colocando-se um naco de comida na boca e em seguida o tempero.


Como herança também ficou o método de cozinhar indígena, a mixira, onde se corta em pedaços o peixe ou a carne, coloca-os em um vasilhame que em seguida é tapado, cozinhando-os em fogo brando.


Os nativos eram também grandes apreciadores de insetos e suas larvas, assim como de aranhas, carrapatos, escorpiões, lacraias e centopeias. Muitos incluíam a terra (barro, argila) em suas dietas.


Dos portugueses vieram novas fontes de proteínas como galináceos, porco, patos. Pães de trigo, doçarias e especiarias como canela, erva doce, alecrim. Após este primeiro encontro entre as duas culturas, aportam africanos advindos principalmente do Congo e Guiné, porém sua presença mais significativa ocorre somente a partir do século XIX na região de São Paulo trazendo sua bagagem cultural e reinventando suas habilidades ancestrais na alquimia dos sabores. A feijoada, guisado de feijão com carnes diversas é um de seus legados culinários, entre tantos.


Apesar da culinária caipira apresentar em toda a sua base a mistura de temperos e cocção indígena, portuguesa e africana, há que se considerar a crescente imigração ocorrida entre os séculos XIX e XX. Libaneses, sírios, italianos, espanhóis e japoneses agregaram cores e sabores à culinária paulista. Pode-se dizer que as novidades trazidas por estes povos acrescentou uma maior oferta e variadas combinações na dieta dos caipiras paulistas do século XXI. 

 

Foto: Ruth Rubbo


Bandeirantes, tropeiros e monçoneiros são personagens que merecem um capítulo à parte quando o assunto é culinária caipira tamanha a sua contribuição quanto aos aspectos alimentares do povo paulista. Disto falarei no próximo artigo.


Mas a abordagem está longe de acabar. Aqui nos foi oferecido a entrada de um generoso banquete que há gerações acompanha reuniões familiares, festejos e confraternizações e que vem se sustentando como um dos pilares da cultura caipira paulista.

Curiosidades

  • O Milho, feijão e a abóbora são heranças guarani.

  • Porco, galinha e salsinha foram trazidos pelos portugueses

  • Tucuruvas- cupinzeiro que eram transformados em forno para a preparação de

comidas.

  • Em São Paulo predominava o milho,  no nordeste, a mandioca

  • Os assados eram comuns entre os indígenas, que costumavam moquear a carne,

ou seja, passá-la no fogo 

  • Os cozidos surgiram da mistura de vegetais regionais encontradas no Brasil.

  • Já a fritura veio com a gordura do porco, trazida pelos europeus.

  • Içá – a formiga utilizada como iguaria muito apreciada entre os paulistas eram

vendidas em porções prontas para o consumo (já fritas), como pipoca, nas portas do antigo mercado municipal em São Paulo até meados do século XX.

  • Pimenta – originária das Américas há no Brasil uma infinidade de espécies. O

grande disseminador (ou plantador) das pimenteiras é o sabiá, pássaro nativo que come os frutos e espalha as sementes, através dos seus excrementos.


E não poderia concluir o texto sem uma boa receita da mesa caipira. É o Virado de Ervilhas, tradicional da cidade de Atibaia/SP. Este prato foi objeto de extensas pesquisas da folclorista e pesquisadora Lilian Vogel que tomou conhecimento da sua existência através de Toninho Macedo. Toninho, numa de suas visitas à Atibaia por ocasião de suas pesquisas sobre as Congadas do município, saboreou o virado de ervilhas no bairro do Portão. Foi quando Lilian Vogel passou a visitar produtores que comercializavam o produto, recebendo importantes informações a respeito desse prato. Através da sua pesquisa e divulgação, hoje o prato está inserido como um dos patrimônios imaterias da cidade de Atibaia. Resgatado a receita, passo à vocês este delicioso prato da culinária atibaiense, tão rico em histórias quanto em sabores.

Virado de ervilhas - Foto de Flavio Pillegi

Virado de Ervilhas
500 gr de ervilhas frescas;

1 cebola média picada;

1⁄4 xícara de óleo;

2 xícaras de farinha de milho branca;

sal;

300 gr de linguiça calabresa em rodelas;

2 dentes de alho


Cozinhe as ervilhas em água e sal e reserve, cuidando para não cozinhar
demais. Em outra panela, frite a cebola e o alho no óleo, acrescentando a ervilha com um pouco de água em que foi cozida. Experimente o sal. Coloque a farinha de milho branca e desligue o fogo. Decore e sirva o prato com a linguiça frita

Variações:
-se preferir, acrescente bacon e lingüiça picada e frita junto com a ervilha jácozida e acrescente a farinha.
- sirva o prato acompanhado de salada verde, ovo frito ou bisteca de porco.

 

Referências
História da Alimentação no Brasil - Câmara Cascudo
Tachos e panelas – historiografia da alimentação brasileira (Lima, Claudia)
Comidas dos nativos do novo mundo (Messias, Cavalcante)
Gastronomia no Brasil – Cultura Nacional
Recriando Áfricas - Fabiana Schleumer
Lilian Voguel – Virado de Ervilhas
Mesa Paulista Tradicional – Toninho Macedo

Cozinha Caipira. Almeida Jr.m 1985.

Ruth Rubbo

Há mais de quinze anos atua em gestão/produção cultural. Filha, neta e bisneta da cultura caipira paulista, sua grande paixão. Violeira, é autora de diversos projetos culturais com foco na defesa e fomento de nossas raízes identitárias.

Membro da Comissão Paulista de Folclore.

Fundadora do Centro de Tradições Caipiras de Atibaia

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